A Cabra, a Sogra e o Dexter.

Tédio, morte e zoofilia juntos num mesmo sítio.

O Formigueiro Invisível.

“Pare”, “Siga”, “Ande aqui”, “Dirija ali”.

O Mundo de Verônica

Uma entrevista do Pedro Bial no meio de uma revista Playboy.

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terça-feira, janeiro 08, 2013

O Formigueiro Invisível.


Sofia havia acabado de assistir ao filme "Waking Life" e estava se sentindo inspirada, como se após aqueles minutos olhando pra tela de sua tv tivesse passado a entender muito mais sobre a vida. Não a dela, nem de ninguém, mas a vida em geral. Coisas que no fundo ela sentia que já sabia, mas ainda não havia parado pra pensar mais detalhadamente. De qualquer forma, se sentia agora mais viva, mais liberta. Liberta nos pensamentos, na vida, nos sonhos, em tudo. Liberta na sua essência. "E se tudo isso for realmente apenas como um sonho?" Ela pensava. Ela não se conformava com aquela vida robotizada, com todos aqueles dias iguais, máquinas caminhando pra cumprirem com suas rotinas como se houvesse algum propósito, enquanto no fundo todas elas sabem que não há propósito nenhum no final das contas. Final das contas? Elas nunca acabarão na verdade. Não só nunca acabarão, como são elas próprias o motivo pra quase tudo isso.
Sofia queria mudar, e sentia que podia. Não sabia ao certo mudar o quê, nem como, mas sentia que podia. Sentia que quem limita a vida de cada um são as próprias pessoas, que quem molda nosso dia a dia e nossas necessidades somos nós mesmos. Uma certeza ela tinha, ela queria mudar. Enquanto pensava e caminhava em direção à Estação, sua respiração acelerava. Queria quebrar a rotina, não sabia nem por onde  nem como começar, mas tinha certeza que podia. Até que nessa excitação mental entre querer e poder, acabou esbarrando em um rapaz que seguia o caminho contrário ao dela. 

- Desculpe! - Ela disse.
- Opa, desculpa aí. - Ele respondeu.

O rapaz seguiu seu caminho e Sofia permaneceu parada um momento. Aquela excitação fora trocada por uma dose de adrenalina instantânea devido ao trombo com o rapaz, e por um instante ela pareceu ter se esquecido do sentido de tudo aquilo que tinha em mente. Nada fez sentido por alguns poucos segundos, até que quando moveu sua perna para continuar seu caminho, todo aquele sentimento retornou, tudo voltou à mente. Sofia lembrou que não só queria como podia mudar, e percebeu que aquela poderia ser a hora. Tinha até os diálogos do filme que acabara de assistir vivos na memória, e achou aquele momento mais do que oportuno. 
Se virou pra trás, deu uma corridinha em direção ao rapaz que havia acabado de trombar, e gritou:

- Ei, você!

Ele olhou pra trás, fez um gesto como se questionasse se era com ele mesmo, e ela devolveu com um gesto afirmando que sim. Ele virou a cabeça pra confirmar que ela estava mesmo o chamando e não alguém atrás dele. Confirmou, e então foi em direção à ela. Quando se aproximou, Sofia logo disse:

- Podemos começar de novo? Sei que não nos conhecemos... Mas eu não quero ser uma formiga. Passamos pela vida esbarrando uns nos outros, sempre no piloto automático, como formigas, não sendo solicitados a fazer nada de verdadeiramente humano: “Pare”, “Siga”, “Ande aqui”, “Dirija ali”.

O rapaz a olhava com ar de desconfiado, talvez confuso, e depois de uma minúscula pausa apenas pra recuperar o ar, ela prosseguiu:

- Ações voltadas apenas à sobrevivência. Toda comunicação servindo para manter ativa a colônia de formigas, de um modo eficiente e civilizado: "O seu troco.", "Nota fiscal paulista?", "Crédito ou débito?", "Aceita ketchup?". - Ela ia discursando cada vez mais animada, até um pequeno sorriso ia se formando enquanto ela continuava:

- Não quero um canudo. Quero momentos humanos verdadeiros. Quero ver você. Quero que você me veja. Não quero abrir mão disso. Não quero ser uma formiga, entende? - Agora ela ansiava por uma resposta, e parecia que era o momento. Após um breve silêncio absoluto, o rapaz entendeu a situação e finalmente respondeu:

- Ahn, beleza, cê mora aqui perto gata? 

Sofia murchou, se decepcionou intensa e instantaneamente, como se aquela adrenalina de segundos atrás tivesse tomado o caminho contrário e a atingido em cheio. Estava perplexa. Destruída. Abaixou a cabeça e fez o seu melhor para retornar ao caminho da Estação sem que fosse seguida, ou quem sabe assediada, não sabia mais de nada, apenas que queria sair dali. Ela agora não tinha mais tanta certeza assim de que é possível mudar, não tão facilmente. Não sozinha. Entrou no metrô.

Sofia chegou em casa desolada, e a primeira coisa que fez ao abrir a porta foi apertar o interruptor, que não respondeu ao seu comando. Apertou novamente. Nada. A  luz simplesmente estava lá, nem acesa, nem apagada, apenas luz, e ela nada poderia fazer em relação a isso. Se deitou. Sonhou. Acordou.

Acordou.