A Cabra, a Sogra e o Dexter.

Tédio, morte e zoofilia juntos num mesmo sítio.

O Formigueiro Invisível.

“Pare”, “Siga”, “Ande aqui”, “Dirija ali”.

O Mundo de Verônica

Uma entrevista do Pedro Bial no meio de uma revista Playboy.

Quando você morrer

O que você quer ser quando morrer?

Psicotuitoanalise #1 - Fanatismo

O novo método twitteriano de psicanálise avançada freudiana cerebelística anonencefálica.

sábado, dezembro 14, 2013

A Vida é (uma) Foda

A vida é uma foda
Uma orgia de egoístas
Onde se foder é moda
E o orgasmo é uma conquista

Todo mundo só quer receber
Sempre atrás de uma fodinha
Caminhando em busca de prazer
Não importando por onde caminham

E assim todos seguem
Sem nem olhar por onde pisam
Falsa bondade só se consegue
Quando de você eles precisam

A vida é foda

Goza na tua cara
Sem informar ou pedir
E sua maior tara
É te fazer engolir

O mundo é foda

E ele gira, roda
Passa por cima
Te esmaga e
Te desvirgina

Não tem lugar pra cabaço
Não tem lugar pra frescura
Não liga se sua vida ta fácil
Ou se sua vida ta dura

Se aceitar você não é capaz
Ele te prende e te fode por trás
Não adianta buscar abrigo
Quem tem cu, já corre perigo

Entre as quatro paredes da vida
Não se pode ficar parado
Ou você goza com ela
Ou por ela é estuprado

sábado, novembro 02, 2013

Mendigo.

Não tenho voz, não tenho nome, não tenho família. Não sei de nada, não leio, não assisto, não como nem bebo direito. Não tenho casa, não tenho vida. Mas estou vivo, então o que é vida afinal?
Seja o que for eu não terei, pois essa é minha função: não ter nada que exista por aí. Isso faz com que eu duvide às vezes de que eu próprio existo. Mas sei que sim. Posso não existir pra você, pra ele, pra aquela senhora que passa nessa calçada todos os dias, ou pra aquele garçom ali da frente, mas pra mim, eu existo. Eu sinto, eu respiro, choro, grito. Talvez vocês não entendam, talvez nem percebam que esse pedaço de qualquer coisa aqui no canto é uma pessoa. Deve ser realmente complicado perceber certas coisas aí de cima. Mas eu, aqui embaixo, vejo tudo.

Vejo vocês caminhando, se arrumando, trabalhando. Vocês acordam nas suas belas casas, tomam um banho, escovam os dentes, arrumam o cabelo, as roupas, a pele, o cheiro. Saem de casa e vão trabalhar. Trabalham, fazem o que uma outra pessoa maior que você manda, mesmo gostando ou não. Cada um de vocês faz isso porque precisa fazer, porque não tem escolha, porque se não fizer não vai poder acordar novamente no outro dia, se arrumar, ir trabalhar, cumprir ordens, dormir, acordar, ir trabalhar, cumprir ordens. Pois se não fizer, não terá como se sustentar, não terá onde morar. Assim como eu.
Isso me torna inferior? Talvez, mas o chão que me sustenta é o mesmo de vocês.

Vocês param pra pensar se eu vim parar aqui porque eu quero? Porque gosto? Porque sou preguiçoso? Não "consigo me integrar à sociedade"? Se eu perdi tudo? Se eu tive família? Se eu sou apenas um bêbado escroto filho da puta?
Eu posso ser cada uma ou nenhuma dessas coisas, mas eu posso fazer algo que vocês não são capazes. Parar pra pensar. Vocês já fizeram isso? Já pararam alguma vez? Ah, é verdade, estão atrasados pro trabalho, desculpe atrapalhar. Mas e pensar, já pensaram? Já pensaram em algo que não gire em volta dos seus próprios umbigos? Em algo que não envolva pedaços de papeis coloridos com onças e peixes desenhados, algo que não envolva seu status, seu ego, que não envolva a buceta de cada dia que tanto almeja? Já pensaram em parar um pouco pra pensar?
São as coisas que mais faço. Sempre parado, pensando. E no que eu penso? Em tudo que me convém pensar. Mas principalmente sobre vocês. Às vezes acho que sou o próprio tempo, pois fico aqui parado, constante, imutável, invisível, mas sempre presente. E enquanto isso vocês passam, caminham, rumo aos seus importantíssimos objetivos. Eu penso que, pra mim, vocês são como essa água que escorre no meio fio, sabem? Ela sai de dentro da casa e desce a rua. Desce, desce. Não sabe o porquê nem pra quê, mas desce. Se tem uma curva, ela contorna, segue o caminho moldado pra ela e vira. E desce. A cada quarteirão deixa seu rastro, e recebe mais sujeira. E desce. Até chegar no bueiro e se encontrar com todo o resto de água suja que desceu pelas outras ruas da cidade. São como vocês.

Eu posso não tomar banho, não escovar os dentes, não passar perfume, mas vocês são tão sujos quanto eu. Ninguém é melhor que ninguém. Eu deito, sim, todos os dias nessa rua, com meu cobertor imundo e cheiro de bosta, mas deito vazio. Sem ódio, sem amor, sem dívida nem rancor. Apenas vazio. E vocês quando se deitam, como é? Não pergunto sobre o lençol de seda ou travesseiro de penas de ganso, mas no que vocês pensam? Dormem tranquilos? Sabem sequer pelo quê estão vivendo? Ou apenas acordam, caminham, trabalham, e se vendem pra poderem depois comprar pelo menos 1% de todo o tempo que viveu? Como é viver 99 dias dando dinheiro pros outros pra que no centésimo e último dia tenha um pouco pra você?
Eu não faço ideia de como seja, afinal fico aqui, parado, pensando. Não tenho história nem nome. Não tenho passado, presente nem futuro. Talvez eu seja mesmo o tempo.

Mas se querem saber de uma coisa, não odeio nenhum de vocês. Se eu tivesse aí em cima, eu também fingiria não ver ninguém daqui. Não jogaria moeda nem comida. O ser humano é assim mesmo, e seja ele imundo ou empresário, favelado ou milionário, ainda assim é um ser humano. Sofrem dos mesmos problemas, tem as mesmas incertezas. Eu por exemplo não sei o que vai acontecer comigo. Não sei pelo quê vivo, o que eu quero. Me sinto distante demais de qualquer sonho que eu tenha, e às vezes esqueço até o que é sonhar, às vezes quero morrer. E tudo isso não é coisa minha, e sim de todo mundo. Dinheiro, status, beleza ou saúde, nunca impediram alguém de tirar sua própria vida. De desistir. Todos nós somos humanos e vivemos na mesma merda de vida. Todos erramos, temos dúvidas, fazemos cagadas e algumas coisas boas (na maioria das vezes pra nós mesmos).
Eu, imundo, e vocês, bonitões, vamos pro mesmo lugar quando morrermos. Não vamos levar dinheiro, carro, namorada, emprego, nada. Todos vamos da mesma forma: iguais. Pois assim somos.

Eu não espero que vocês percebam isso, na verdade me divirto em vê-los vivendo nessa bolha imensa de ego e ilusão. Não rio pois nem lembro como se faz, mas me divirto por dentro. Acho curioso. Espero que eu possa diverti-los também com minha pobreza e podridão, que é o mínimo (e máximo) que posso oferecer como retribuição. Não precisam parar ao meu lado, dar esmola, me alimentar. Façam o que quiserem. Existam. Estudem. Trabalhem. Construam robôs à sua semelhança e deem as mãos. Explodam esse planeta. Explodam seus egos. Fodam todas e com todas as pessoas que conseguirem. Plantem uma árvore e postem no instagram pra mostrar quão eco-humanos-de-merda vocês são. Escrevam um livro sobre suas magníficas vidas. Escrevam nos seus blogs o quanto se preocupam com as questões sociais. Tenham um filho e os eduquem de forma que consigam entrar na faculdade e tenham ótimos empregos. E claro, pra que acordem, caminhem, desçam, mergulhem bonito no esgoto em que todos nós vivemos. Tenham fé, rezem, paguem o dízimo, façam bastante merda sim, mas não esqueçam de se confessar ao padre. E depois tomem cuidado pra que ele não moleste seus filhos.
Corram em busca da felicidade sem olhar pra trás nem pro lado, só tomem cuidado pra não serem atropelados, arrancarem seu braço fora e jogá-lo no rio. Sigam seus corações, amem e enganem quem quiserem, sejam homens, mulheres, travestis, árvores ou animais. Mas disfarcem e se escondam, pois nunca se sabe quando se pode apanhar na rua por causa de suas escolhas pessoais.

Eu me divirto pois isso tudo já é um caos. A vida só é bonita e justa no papel e na imaginação. Em livros, filmes e músicas. A realidade é uma só, e você fingindo que a enxerga ou não, ela continua a existir da mesma forma. Assim como eu. Mas continue criando a sua própria e bela realidade, afinal na cabeça de cada um ela é diferente. Na cabeça de cada um ela gira em torno do próprio e belo cu, e mantê-lo a salvo é o que tem de mais importante.

Vocês todos são imundos. Eu posso comer o lixo que vocês jogam todos os dias na rua, mas se pararem um pouco pra analisar, nós todos moramos dentro do mesmo e imenso lixo. Lixo que alguns chamam de sociedade.
Eu me divirto vendo essa falsa felicidade pra todo lado. Vocês são demais. Continuem assim. Lixos extraordinários, arrumados e perfumados. Assisto tudo de camarote. E mesmo invisível, parado e pensando, eu sou como vocês. Nossa única diferença é que eu enxergo tudo pois não tenho nada, já vocês querem tudo, e só enxergam o que lhes convém.
Eu sou a porra de um Harry Potter velho, imundo, vagabundo. E vocês não me enxergam pois sou um mero bruxo nojento e sujo usando minha capa da imundície. Isso deixa qualquer um aqui debaixo invisível pra vocês, não é mesmo?

E eu aqui, me decompondo, às vezes imagino: Quem sabe?
Quem sabe um dia vocês parem pra pensar também. Quem sabe percebam que vieram parar aqui não pra viverem sozinhos, e sim pra fazerem parte das vidas uns dos outros. Quem sabe percebam que a felicidade só é real quando compartilhada, e parem de viver nessa mentira que gira em volta da própria mediocridade. Quem sabe isso aconteça antes que eu acabe. Quem sabe o mundo acabe antes disso acontecer. Enquanto isso eu acompanho tudo daqui. Parado. Pensando. Fedendo.


domingo, outubro 20, 2013

Sem Vergonha

Saiu deixando a porta aberta
Pois pra fechá-la não foi capaz
Eu sei que a gente acerta
E eu sei que a gente erra, mas

Você não sente vergonha?

Quando se olha no espelho
Aprecia seu batom vermelho
Encolhe a barriga e sorri
Daquele jeito que você sabe fingir

Você não sente vergonha?

Quando senta na sua carteira
E conversa com ele a aula inteira
Pra depois dizer não aguentar
Que vai morrer de tanto estudar

Não sente nada?

Como se sente se ajoelhando na igreja
E pedindo a Deus o que deseja
Depois de tanto tempo reprimindo
Tantos meses se proibindo

Você sente?

Sente algo além de egoísmo
De estupidez e ilusionismo
Deixando de dizer a verdade
Pois pra isso é muito covarde

Será que sente?

Ou será que ainda é um robô
Que confunde sofrimento com amor
E se acha sempre a vítima
Maltratada de forma legítima

Não acho que sinta

Não acho que sinta nada
E o que sente é de forma errada
Pois pra amar alguém você conseguir
Deve primeiro amar a si

E será que ama?

Será que consegue se amar?
Pensar na vida e não se envergonhar?
Acordar de forma decidida?
Caminhar de cabeça erguida?

Será que vai amar?

Será que vai mudar?
Será que vai deixar de usar
Pessoas como degraus
Sendo uma atriz fenomenal?

Será que vai crescer?

Ou esse poema vai ser eterno
Ao contrário daquele do caderno
Que enquanto eu escrevia
Eu pensava que te conhecia

Você não sente vergonha?
Ou talvez arrependimento?
Aproveite seu vazio e nele ponha
Quem sabe um pouco de talento

Pois pelo menos até o momento
Seu único talento é mentir
E quando sente vergonha
Seu único talento é chorar

quinta-feira, setembro 26, 2013

Metamorfose Ambulanta

E então eis que surgiu de repente
Até pensou que era forte e belo
Se olhou e viu algo diferente
Sentiu-se o Rei daquele castelo

Lá no céu uma estrela cadente
Mas na terra um velho chinelo
Se no mar um tubarão martelo
Fora dele uma magra serpente

Era verde mas ficou vermelho
Tão sanguinário quanto o Taranta
Era gentleman virou pentelho

Tão escroto que a todos encanta
Mais bizarro que Paulo Coelho
Uma metamorfose ambulanta

quarta-feira, agosto 21, 2013

O Mundo de Verônica

Lágrimas. Era o que Verônica sentia escorrendo pelo seu rosto enquanto lamentava sua vida, deitada na cama. Cada lágrima que escorria era uma mágoa, uma angústia, um sentimento de que não dava mais. Acabara de completar 22 anos mas já achava que era a hora de partir. Não havia motivação, não havia mais o que fazer. Sentia como se tudo que fazia desse errado, nunca conseguia cumprir seus objetivos, e os poucos que restavam pareciam estar muito distantes. Não dava mais. Mais lágrimas.
Sentia-se sozinha, deslocada, como se não fizesse parte daquele lugar. Verônica se via como algo totalmente inútil e desnecessário, longe de ser o centro das atenções, não fazia diferença nenhuma. Se via como uma entrevista do Pedro Bial no meio de uma revista Playboy. Ninguém dava a mínima pra ela ou sentiria sua falta caso ela não existisse, ela só estava ali por estar, porque a colocaram ali.
Quando fez essa relação de ser um mero texto dentro de uma revista Playboy, Verônica soltou um leve sorriso debochado e decepcionado. Isso resumia como ela se via, como meros blocos de letras e textos com seus significados, conteúdos e ideais, desejando ser absorvida, admirada, ou pelo menos apenas vista por alguém, mas sem sucesso. Tudo aquilo que estava ao redor, nas outras páginas, acabava atraindo bem mais a atenção de todos.

Tinha 22 anos e ainda era virgem, tendo beijado apenas dois rapazes. Não que ela se importasse tanto com isso, era daquelas que não ligava muito com o que pensavam e o que a sociedade estabelecia, ou pelo menos era o que afirmava. Mas se importava, e muito, em ainda não ter chegado nem perto de viver um grande amor. O mais perto de um relacionamento que chegou foi ter sido acompanhada por Eduardo de ônibus até sua casa após terem se beijado, sendo que após o fechar das portas ela nunca mais conseguiu vê-lo novamente. Se deprimiu de início, cansou os olhos de tanto chorar e acabou guardando rancor, após um tempo fingiu não mais se importar, e por fim fingiu que superou. Mas a mágoa continuava lá. Adorava assistir a comédias românticas, assistiu pelo menos umas 50 vezes "Como Se Fosse a Primeira Vez". Se divertia e aproveitava enquanto assistia, mas no final sempre acabava se sentindo mal, desolada, mais ou menos da forma que se sentia após se masturbar pensando no Michael Fassbender. De qualquer forma isso não fazia mais importância, afinal decidiu que tudo tinha chegado ao fim, que não dava mais, aquela era a hora. Verônica decidiu morrer, e foi aí que tudo mudou.

Ao olhar seu reflexo no vidro do medicamento, que segurava com sua mão trêmula, Verônica teve um insight, e acabou até quase esquecendo qual foi pois ficou pensando por que ainda usam a palavra "insight" ao invés de darem uma tradução pra ela. Verônica parou, seu coração deu uma acelerada, ela refletia, discutia e debatia hipóteses dentro da sua cabeça, duvidava da conclusão que havia acabado de chegar, mas por mais que tentasse ser racional não conseguia derrubar a verdade que acabara de desvendar. Continuava olhando o seu próprio reflexo distorcido, até que soltou o vidro, deixando-o cair no piso, e afirmou a si mesma, estupefata, em voz alta: "Eu sou uma personagem!".

E assim, de repente, Verônica passou a ter certeza de que tudo aquilo era uma mentira, que ELA era uma mentira. Ela estava na verdade dentro de uma história, era uma simples e inútil personagem. Percebeu que sua personalidade não passava de uma personalidade padrão, com a qual todas as mulheres se identificam. Se sentia frágil, desajeitada, com baixa autoestima, e frequentemente autodepreciativa. Se colocava pra baixo muitas vezes, mesmo em seus pensamentos. Insegura como era, sempre que se apaixonava ficava desconcertada perto de seu grande amor, e o tinha como um ser extraordinário e maravilhoso, praticamente perfeito. Estava sempre à espera de um romance para fazer de sua vida algo excepcional, em vez de tentar procurar sua felicidade com as próprias mãos. Era óbvio que era uma personagem, e o pior, escrita por alguém que utilizava destes estereótipos femininos pra conquistar mais leitoras.
Resolveu tomar uma providência pra deixar de ser quem era, e quando finalmente descobriu a verdade, sentiu que poderia se livrar de tudo e finalmente ser quem realmente quisesse. Olhou para o alto, onde teoricamente seu Autor se encontraria, e gritou: "Eu descobri toda a verdade! Descobri que sou apenas uma personagem qualquer, com uma personalidade padrão, vivendo às Suas custas! Mas com uma coisa Você não contava! Não contava que eu iria me descobrir sozinha. Agora me livrarei de Você, agora posso ser o que eu quiser! Como eu quiser! Irei me transformar, sair desse estereótipo imbecil, e não há nada que Você possa fazer pra me impedir!".

Verônica então saiu correndo do banheiro, decidida a desaparecer, decidida em se transformar. Fugiu de casa, largou tudo o que tinha, pois sabia que tudo aquilo era uma mentira. Mudou de cidade, de emprego, de faculdade. Ela queria ser diferente, queria romper com tudo e com todos, fugir daquele estereótipo que lhe era imposto.
Foi morar em São Carlos e lá iniciou sua faculdade de Letras. Decidiu que se tornaria escritora e criaria diversas histórias e mundos futuramente, onde suas personagens seriam fortes e originais, donas de seus próprios destinos e que vão atrás de seus sonhos sem depender de mais ninguém.

Anos se passaram e Verônica já era uma mulher completamente diferente. Agora com 28 anos, trabalhava na área editorial e no tempo livre saía com seus amigos e escrevia.
Aos 30 anos se casou com Marcelo, um rapaz que conheceu na editora em que trabalhava. Não foi como um conto de fadas. Não houve sofrimento, proibição, nem sequer dificuldades. Eles apenas se conheceram, saíram, e simplesmente sentiram que davam certo um com o outro. Ela não o via como um príncipe, nem como perfeito, mas via nele uma pessoa que a completava, e sentia que o completava de volta. Ela o abraçava por inteiro, com todas suas qualidades e defeitos, e cada vez mais o amava, desejando ser ele a pessoa com quem passaria o resto de sua vida.

Já aos 40, com mais de dez livros lançados e centenas de milhares de cópias vendidas, Verônica já começava a planejar abandonar qualquer outro tipo de trabalho e viver apenas através dos seus livros. Seu objetivo era que daqui não muito tempo pudesse passar a viver apenas viajando e escrevendo suas obras. Sua série intitulada "Coração Cheio de Algodão", que continha como protagonista Sarah, uma moça que se se sentia dividia entre liderar um grupo feminista e largar tudo pelo amor da sua vida, já era uma das mais vendidas na época, e ainda tinha muito pra render. Mas os planos tiveram que ser abandonados abruptamente. Marcelo descobriu que tinha câncer de próstata, e, com dois anos e meio de tratamento, veio a falecer.

Verônica então afundou-se em si. Ainda tinha, teoricamente, grande parte da vida pela frente, mas não tinha com quem quisesse vivê-la. Todos os planos tiveram de ser abandonados e esquecidos, como se nada tivesse sido pensado. Passou a apresentar indícios de depressão leve e por isso voltou a tomar seus medicamentos. Numa noite, em seu banheiro, Verônica abriu seu armário, pegou seu vidro de remédios, abriu, e congelou. Déjà vu. Se lembrou de anos atrás, quando se sentia arrasada da mesma forma, segurando um outro vidro de remédios. E o ódio surgiu. Verônica, abismada, sentiu que havia entendido tudo, mais do que daquela outra vez. Ela ainda não era livre, Ele ainda estava ali. Ainda era uma personagem. Tinha certeza disso, foi tudo pensado por Ele. Cada problema, cada obstáculo, cada conquista e cada tragédia. Só isso podia explicar os vários episódios que passara na vida. Ela nunca seria livre. Ficou transtornada. Decidiu que era a hora de acabar com tudo, e se vingar.

Sua vida não fazia mais sentido, só o que queria era se vingar dessa injustiça. Foi até seu quarto, sentou-se na cama, pegou seu notebook, e gritou, olhando pro alto: "Pois se é a mim que Você quer, a mim Você terá! Eu desisto de tudo. Desisto de ser livre, de tentar ser dona da minha própria vida. Já que foi Você quem me criou, e é Você quem vai continuar traçando o rumo da minha vida pra sempre, que seja do meu jeito! Ficaremos juntos, sim, até o infinito. Juntos num ciclo sem fim. Seremos ambos personagem e autor. Criador e criatura. Escravos um do outro. Agora serei Você!"

Verônica então assumiu um pseudônimo e criou uma nova personalidade, na verdade não uma nova, mas a Dele. Fechou os olhos e, num segundo de inspiração, assumiu que seu novo nome seria Januzza. Se ajeitou na cama, criou um blog e deu a ele o nome de "Januzzismo", que foi o mais ridículo que conseguiu pensar aleatoriamente. Clicou em nova postagem, e então começou a escrever a Sua nova e própria história:

Lágrimas. Era o que Verônica sentia escorrendo pelo seu rosto enquanto lamentava sua vida, deitada na cama. Cada lágrima que escorria pelo seu rosto era uma mágoa, uma angústia, um sentimento de que não dava mais. Acabara de completar 22 anos mas já achava que era a hora de partir...

sexta-feira, julho 19, 2013

Xeque Mate

Era uma noite como outra qualquer na minha casa: silenciosa, fria e parada. Eu, como era de costume, estava tranquilamente na minha cama jogando xadrez e tomando um suquinho de mango. Foi então, meu amigo, que comecei a reparar num negócio que, ou eu ainda não tinha reparado, ou tinha acabado de começar a acontecer mesmo. Comecei a ouvir um leve ruído vindo do meu armário-roupa, semelhante ao som de um bistolhudo, sabe? Meio que um misto do chacoalhar de duas pandetas com o tilintar de um besberro. Estava mais pra um runzido que um ruído pra falar a verdade, mas isso não vem ao caso. O mais curioso, meu amigo, não foi o fato de ter ouvido um estranho ruído vindo do armário-roupa, e sim que o ruído acontecia apenas na minha vez de jogar! O mais curioso ainda é que, naquele dia, meu amigo, assim como em todos os anteriores, eu estava jogando sozinho o tal do jogo-esporte xadrez. Confesso que fiquei, sim, um tanto encabulado.

Acontece que eu, como um fiel seguidor do Tristianismo, fiz um juramento em meu batismo no qual eu prometi que jamais abandonaria uma partida de xadrez enquanto ela não fosse concluída. Lembro das várias vezes em que houveram partidas disputadíssimas que duraram vários dias e eu não pude abandonar o assentamento da disputa. Obviamente em várias dessas vezes o meu assentamento se transformou num monte de fezes, mas eu não reclamo não, meu amigo, eu sei ser positivo, e o que eu sentia de tudo aquilo era apenas um assentamento macio, cremoso e quentinho. Eu sempre consegui enxergar a metade cheia da merda.

É claro que com o tempo eu aprendi e passei a deixar um penículo sempre ao lado caso precisasse, o problema é que, como eu sempre joguei sozinho-comigo-mesmo, era sempre a minha vez de jogar, e desta forma eu nunca tinha tempo pra fazer outras coisas a não ser pensar no próximo movimento. Foram anos seguindo à risca meu juramento sem falhar, mas confesso, meu amigo, que desta vez não estava nada fácil. Aquele runzido insistia em me desconcentrar. Eu já suportei telefone tocando, cachorro latindo, Balvão Güeno narrando, castarilhos caindo, mas aquele runzido, ah, aquele runzido, insistia em me atrapalhar.

Foi então que decidi tomar uma atitude drástica. Sim, amigo, às vezes sou bastante ousado. Resolvi que faria meus movimentos pensando no máximo dez segundos antes de fazê-lo, com o objetivo de terminar logo aquilo e poder averiguar o que poderia ser o maldito ruído. Confesso que me senti um pouco mal agindo daquela forma, mas não havia nada no juramento que impedisse que eu jogasse com pressa, então següi em frente.

Os segundos passavam, os ponteiros giraloravam, tac tic, eu girava o tabuleiro. O suor escorria, minhas mãos tremiam, tac tic. Eu molhava o tabuleiro de suor, os cavalos escorregavam, os bispos sapateavam, tac tic. Havia uma tensão no ar. Comecei até a ouvir uma música de suspense/adrenalina, ela fazia tutatutatutatutatuta, mais ou menos como naquele filme Estripcosis. A música foi me desesperando, eu movia rapidamente as peças, o tabuleiro girava de um lado pra outro, eu jogava de volta, ele girava, suor escorria, a música tocava, eu jogava de volta. Quando resolvi parar um momento pra respirar, percebi que a música na verdade era apenas o runzido mesmo. Irritado, fechei os olhos e respirei profundamente, fazendo avuar o suor que escorria e chegava em minha boca. Olhei de volta pro tabuleiro e vi. Sim, meu amigo, eu vi, era claro como a luz do Dida, estava ali, brilhando pra mim, chegava a ser irritante de tão cristalina. Eu conseguia visualizar a próxima jogada, como se setas digitais surgissem sobre o tabuleiro e mostrassem o que estava pra acontecer. Eu estava me sentindo dentro de um tira-teima do Arnaldo César Coelho. Reuni toda a energia que pude, e gritei, em alto e bom fom:

- XEQUE. MATE.

E foi aí que fui surpreendido, amigo, deverasmente surpreendido. O runzido de repente parou. Houve uma breve pausa no tempo, como aquela do Matrix em que tudo para e a câmera gira (só que sem a câmera girando, no meu caso), o armário-roupa vibrou, abalou, sacudiu, balançou, e por fim caiu. Poeira foi levantada e após esfregar meus olhos vi, olhando pra mim, um singelo e assassino cheque. Sim, meu amigo, um cheque sobrevoava logo à minha frente e me ameaçava com uma frasca em uma de suas pequenas mãos.

- Mas oh, cheque, o que fazes aqui? O que queres de mim? Sou apenas um simples e humilde Tristão jogador de xadrez. - perguntei me fazendo de desentendido, afinal, eu não estava entendendo nada mesmo.

- Aow to aqui porque recebi um chamado. Eu passei anos viajando de armários-roupa pra armário-roupas em busca deste momento que acaba de chegar. Aow você pediu pra que eu te mate, e é isso que vim fazer. Aow.

- Mas oh, cheque, é aí que vosmecê se engana! Admito, sim, que pedi que matasse, mas não foi a ti que pedi, companheiro cheque. O objeto no qual me dirigi era um Xeque, e não um cheque. Compreendes o mal entendido? Compreendes o Xis dessa questão?

Foi então que algo esplendorosamente assustador aconteceu. O cheque se virou de costas, flutuando, e a verdade foi atirada em minha face como um catchoro na turbina de um avião. Ele mostrou sua marca no que seria a parte de trás de um ombro, caso ele fosse uma pessoa, e então percebi que ele era nada menos nada mais do que um cheque da Xuxa, ou seja, começava com X, como tudo mais que a ela pertence. Fiquei aterrorizado. Pulei da cama, peguei todos os objetos que apareciam na minha frente e os atirava no inimigo. Porém, tudo que eu atirava o Xeque simplesmente engolia, e após poucos minutos meu quarto já estava vazio. Foi só então que percebi que na verdade se tratava de um Xeque sem fundo.

Eu não tinha mais nada, ele engolira tudo que atirei, meu amigo, inclusive minha dignidade. Só o que restava era minha esperança. Caí de joelhos, pus minhas mãos em minha face e tentei arrumar alguma solução. Foi quando eu percebi que o runzido havia voltado, e não só tinha voltado como estava ficando diferente. Ele aos poucos começou a se transformar, aumentar o volume, e comecei a ouvir uns sonzinhos diferentes, como pianinhos, tecladinhos e tintilinhos do além. Enquanto o som foi aumentando fui levantando a cabeça, era como se aquele som estivesse me dando forças. Ele continuava, o Xeque ainda olhava pra mim, mas de repente soltou sua frasca, e deu um leve sorriso de canto de boca, como se impressionado. E então o runzido cantou:


♪ Tudo pode ser, se quiser será
♪ O Sonho sempre vem pra quem sonhar

E então eu entendi, meu amigo, eu entendi tudo. Eu entendi a vida. Entendi o Xeque. Me entendi. Entendi você.

♪ Tudo pode ser, só basta acreditar
♪ Tudo que tiver que ser, será

Era Lua de Cristal tocando, e a única coisa que sou capaz de dizer sobre aquele momento, amigo, é que: foi lindo. Embalados pela melodia da canção e pela voz da Rainha Xuxa, eu e o Xeque cantamos e dançamos. Unidos. Felizes.

♪ O sonho está no ar
♪ O amor me faz cantar

Transamos ali mesmo.

Hoje, anos depois, eu e Xeque formamos uma linda família. Tivemos quatrocentos e trinta e cinco chequinhos filhos, dos quais vendemos todos, exceto os sem fundo. Nossa vida é baseada em jogar xadrez ao som da Rainha Xuxa, não saímos mais de casa e não trabalhamos mais, afinal quando precisamos de dinheiro fazemos novos filhos.

Essa é minha história, e se ela tivesse que ter alguma moral, algum recado pra passar, acredito que seria: Vamos com você, nós somos invencíveis, pode crer ;)~

Grande abraço.

sexta-feira, março 15, 2013

Ode ao Ódio

Olá, quero que você morra
Quero que apodreça
Que pereça
Que faleça
Sua cachorra

Mas calma, não fique assim
Cala a boca e sossega
Vai que a faca me escorrega
Você pode ficar cega
E nunca mais olhar pra mim

Não queria ser hostil
E tampouco violento
Mas se não quer que este momento
Fique sujo e sangrento
Volte logo ao teu canil

Nosso passado está tão apagado
Quanto seu nome em meu diário
Não adianta ficar nua
Nem beijar o escapulário
O que é seu está guardado
Pra ser usado em seu calvário
Só desejo te encontrar na rua
Com você num carro funerário

Que sua mãe tivesse abortado
Que não existisse seu aniversário
Que nunca tivesse me encontrado

Que este poema alcoolizado
Doentio e imaginário
Nunca lhe seja dedicado

quinta-feira, fevereiro 28, 2013

A Toalha, o Dinheiro e a Casinha.

[Este texto é a continuação DESTE TEXTO AQUI. Então já sabe né.]



Eu teria que agir o mais rápido que eu pudesse e fazer a primeira coisa que viesse em mente, pois caso contrário perderia tempo e minha namorada poderia encontrar sua mãe estirada no chão, sangrando, e eu ainda com as calças no tornozelo. A primeira coisa que fiz foi pegar a toalha que minha sogra foi buscar e cobri-la, pois assim não seria identificada ao longe. Logo em seguida, ainda sem saber o que fazer exatamente, comecei a levantar minhas calças e me preparei pra sair em disparada em direção à casa, pra tentar impedir que alguém chegasse até o local. Logo que minhas calças alcançaram a cintura dei uma última olhada pra trás, enquanto dava o impulso pra começar a correr, e foi quando a vi, a cabra ainda estava ali, parada, com o traseiro apontado pra mim e sua cabeça também em minha direção. Ela disparou um olhar como quem estava dizendo telepaticamente "você fez uma puta duma merda seu safado, uma grande merda mesmo, gigantesca, cê tá fudido, não vai se safar dessa não, rsrsrshahauha". Me desconcertei com aquele olhar e acabei tropeçando no meu próprio pé e caindo em cima da minha sogra, sobre a toalha. Me levantei assustado com a queda, com a cabra, com tudo, e finalmente saí correndo, mas dessa vez sem a loucura de olhar pra trás. Se Usain Bolt estivesse correndo ao meu lado naquele momento, ele perderia.
Atravessei o quintal, a cozinha, e cheguei aos trancos e barrancos na sala de estar, com uma cara de filho da puta, suado, arranhado, com a braguilha aberta, na mesma hora que minha namorada abriu a porta. Ambos nos assustamos com o encontro, mas foi ela quem perguntou primeiro:
- Nossa que isso!? Por quê você ta desse jeito?
(Pensa pensa pensa caralho pensa)
- Ah! Eu tava correndo atrás da galinha que fugiu, tentando pegá-la. rsrs
- Como assim fugiu? Elas já ficam tipo... soltas.
(pausa dramática - pensa pensa pensa)
- Não, é que tipo, uma saiu do lugar onde elas ficam, costumam ficar, foi correndo sozinha pra outra direção, aí eu fui lá pra tentar mandar ela de volta, só que acabei caindo e tal haha.
- Ahn... rs
- Eu gosto de correr também.
- Não sabia.
- É, tava afim de correr, fazer alguma coisa, haha
- Entendi. Na verdade eu voltei porque esqueci o dinheiro em cima da mesa - por que TODO MUNDO tava esquecendo alguma coisa naquele dia só pra me ferrar? - vou ali pegar logo, o caseiro tá esperando. 
- NÃO PREcisa! - consegui perceber na primeira sílaba da segunda palavra que eu estava um pouquinho alterado e que talvez ela percebesse, então amenizei o tom da voz, o que talvez tenha deixado a frase ainda pior, mas foi o que deu pra fazer - Eu busco pra você.. meu... amor.
- Nossa, "meu amor"? Que bicho te mordeu? - talvez eu não fosse tão romântico na maioria do tempo.
- Uma galinha!! hahaha - ri como se aquela fosse uma das melhores sacadas humorísticas da década, ao mesmo tempo em que mantinha uma cara de leve desespero e meu olho se carregava com uma pequena quantidade de lágrimas, obviamente não pelo humor, mas pela angústia dentro de mim. Me virei logo e fui buscar a porra do dinheiro.

A janela da cozinha dava de frente pro local onde havia uma cabra dissimulada e uma toalha toda ondulada, como se houvesse alguém se escondendo embaixo dela, então era melhor que eu mesmo fosse pegar o dinheiro pra não correr o risco dela ver aquilo lá fora. Entreguei os trinta reais, e ela logo então voltou para o carro e juntamente com o caseiro partiu de vez pra comprar sei lá quais merdas pro maldito café da tarde.
Eu estava transtornado, sentia que a qualquer momento poderia desmaiar, mas tentei ser o mais forte possível pois caso isso acontecesse a merda seria maior. Dei uma rápida e profunda respirada e logo depois reativei meu modo Usain Bolt, correndo sem nem saber pra onde, nem o que fazer, mas correndo, o negócio era esse. Corri por alguns segundos até que cheguei no quintal e o que eu vi foi arrasador, ou melhor, o que eu NÃO vi. MINHA SOGRA NÃO ESTAVA MAIS LÁ! NEM ELA, NEM A TOALHA, A CABRA, O VAral... ué, o varal? Foi quando eu percebi que na verdade eu tinha corrido pro outro lado da casa, e lá não deveria ter nada mesmo. Teria sido engraçado aquele momento de grande desespero pensando que minha sogra havia reacordado e sumido dali, mas não foi pois eu estava realmente desesperado. 

Parti em direção ao local do crime, e confesso que senti certo alívio quando avistei aquelas ondulações cobertas por uma toalha no chão. Mas a cabra já não estava mais lá. 
Chegando ao lado da minha sogra, que ainda se encontrava inconsciente, comecei a refletir enquanto recuperava o fôlego. O que Dexter faria num caso desses? - eu pensava. Ele era o rei de fazer merda, matar pessoas, e nunca ser pego. Não é possível que eu, na minha primeira grande merda, já me foderia.  
Foi quando eu virei a cabeça pro meu lado esquerdo e a avistei, ela, a maldita cabra. Ela estava parada, ao lado de uma casinha (dessas que abrigam todas as coisas inúteis do sítio e que ninguém tem coragem ou saco pra jogá-las fora), olhando pra mim. Me olhou fixamente por cerca de 5 segundos, dando umas 3 mastigadas neste intervalo de tempo, e depois olhou pra entrada da tal casinha, onde ficou olhando por uns 2 segundos, antes de voltar a olhar pra mim. A mensagem foi clara, e eu a captei.  
Eu tentei várias formas, mas a melhor e mais fácil que encontrei de carregar minha sogra semi-obesa até a casinha foi puxando-a pela perna, talvez houvesse um modo mais prático, mas eu não descobri no momento. Eu não tinha tempo pra pensar se ela estava se machucando muito no percurso pois eu estava ocupando minha mente com questões mais importantes como por exemplo "ok, vou levá-la até a casinha, mas e depois o que é que vou fazer com a desgraçada?". 

Chegando lá dentro, fechei a porta de madeira, e me agachei ao lado da desmaiada. Pensei no máximo de possibilidades possíveis do que fazer. Se eu a deixasse viva, estaria fudido. Se ela não ficasse viva, não seria tão diferente assim, pois eu com certeza seria o principal suspeito por ter ficado sozinho com ela no sítio durante este período. Mas e se ela simplesmente desaparecesse? Sem mais nem menos? Assim como as vítimas do Dexter. A diferença é que ela não era uma criminosa qualquer, uma assassina, e teria pessoas que sentiriam sua falta. Mas nenhuma das possibilidades, por mais absurdas que fossem, era pior do que deixá-la viva. Sobre isso eu estava decidido. A única dúvida que restava era o que fazer com o corpo depois. Enquanto eu não chegava a uma conclusão, vi uma lona, como aquelas que ficam em carrocerias de caminhões, num grande rolo, embaixo de uma bancada. Foi quando eu repentinamente decidi de vez o que faria. Eu agora já tinha uma lona pra revestir o interior (ou grande parte) da casinha, e uma bancada pra colocar minha sogra em cima. E então, sabendo o que fazer, dei início ao meu primeiro ritual. 


Continua...

terça-feira, janeiro 08, 2013

O Formigueiro Invisível.


Sofia havia acabado de assistir ao filme "Waking Life" e estava se sentindo inspirada, como se após aqueles minutos olhando pra tela de sua tv tivesse passado a entender muito mais sobre a vida. Não a dela, nem de ninguém, mas a vida em geral. Coisas que no fundo ela sentia que já sabia, mas ainda não havia parado pra pensar mais detalhadamente. De qualquer forma, se sentia agora mais viva, mais liberta. Liberta nos pensamentos, na vida, nos sonhos, em tudo. Liberta na sua essência. "E se tudo isso for realmente apenas como um sonho?" Ela pensava. Ela não se conformava com aquela vida robotizada, com todos aqueles dias iguais, máquinas caminhando pra cumprirem com suas rotinas como se houvesse algum propósito, enquanto no fundo todas elas sabem que não há propósito nenhum no final das contas. Final das contas? Elas nunca acabarão na verdade. Não só nunca acabarão, como são elas próprias o motivo pra quase tudo isso.
Sofia queria mudar, e sentia que podia. Não sabia ao certo mudar o quê, nem como, mas sentia que podia. Sentia que quem limita a vida de cada um são as próprias pessoas, que quem molda nosso dia a dia e nossas necessidades somos nós mesmos. Uma certeza ela tinha, ela queria mudar. Enquanto pensava e caminhava em direção à Estação, sua respiração acelerava. Queria quebrar a rotina, não sabia nem por onde  nem como começar, mas tinha certeza que podia. Até que nessa excitação mental entre querer e poder, acabou esbarrando em um rapaz que seguia o caminho contrário ao dela. 

- Desculpe! - Ela disse.
- Opa, desculpa aí. - Ele respondeu.

O rapaz seguiu seu caminho e Sofia permaneceu parada um momento. Aquela excitação fora trocada por uma dose de adrenalina instantânea devido ao trombo com o rapaz, e por um instante ela pareceu ter se esquecido do sentido de tudo aquilo que tinha em mente. Nada fez sentido por alguns poucos segundos, até que quando moveu sua perna para continuar seu caminho, todo aquele sentimento retornou, tudo voltou à mente. Sofia lembrou que não só queria como podia mudar, e percebeu que aquela poderia ser a hora. Tinha até os diálogos do filme que acabara de assistir vivos na memória, e achou aquele momento mais do que oportuno. 
Se virou pra trás, deu uma corridinha em direção ao rapaz que havia acabado de trombar, e gritou:

- Ei, você!

Ele olhou pra trás, fez um gesto como se questionasse se era com ele mesmo, e ela devolveu com um gesto afirmando que sim. Ele virou a cabeça pra confirmar que ela estava mesmo o chamando e não alguém atrás dele. Confirmou, e então foi em direção à ela. Quando se aproximou, Sofia logo disse:

- Podemos começar de novo? Sei que não nos conhecemos... Mas eu não quero ser uma formiga. Passamos pela vida esbarrando uns nos outros, sempre no piloto automático, como formigas, não sendo solicitados a fazer nada de verdadeiramente humano: “Pare”, “Siga”, “Ande aqui”, “Dirija ali”.

O rapaz a olhava com ar de desconfiado, talvez confuso, e depois de uma minúscula pausa apenas pra recuperar o ar, ela prosseguiu:

- Ações voltadas apenas à sobrevivência. Toda comunicação servindo para manter ativa a colônia de formigas, de um modo eficiente e civilizado: "O seu troco.", "Nota fiscal paulista?", "Crédito ou débito?", "Aceita ketchup?". - Ela ia discursando cada vez mais animada, até um pequeno sorriso ia se formando enquanto ela continuava:

- Não quero um canudo. Quero momentos humanos verdadeiros. Quero ver você. Quero que você me veja. Não quero abrir mão disso. Não quero ser uma formiga, entende? - Agora ela ansiava por uma resposta, e parecia que era o momento. Após um breve silêncio absoluto, o rapaz entendeu a situação e finalmente respondeu:

- Ahn, beleza, cê mora aqui perto gata? 

Sofia murchou, se decepcionou intensa e instantaneamente, como se aquela adrenalina de segundos atrás tivesse tomado o caminho contrário e a atingido em cheio. Estava perplexa. Destruída. Abaixou a cabeça e fez o seu melhor para retornar ao caminho da Estação sem que fosse seguida, ou quem sabe assediada, não sabia mais de nada, apenas que queria sair dali. Ela agora não tinha mais tanta certeza assim de que é possível mudar, não tão facilmente. Não sozinha. Entrou no metrô.

Sofia chegou em casa desolada, e a primeira coisa que fez ao abrir a porta foi apertar o interruptor, que não respondeu ao seu comando. Apertou novamente. Nada. A  luz simplesmente estava lá, nem acesa, nem apagada, apenas luz, e ela nada poderia fazer em relação a isso. Se deitou. Sonhou. Acordou.

Acordou.